Há indignações que nascem do convencimento. Outras, da paixão. E há aquelas que brotam da mais pura incapacidade de conviver com a democracia. A recente bizarrice protagonizada por Zezé di Camargo — cantor consagrado, mas cada vez mais refém das próprias gafes — se encaixa, infelizmente, nessa última categoria.
Na madrugada da última segunda-feira, 15, embalado talvez pelo eco fácil das redes sociais, o artista resolveu gravar um vídeo atacando duramente o SBT. Não foi uma crítica pontual, ponderada ou minimamente elegante. Foi um ataque direto, com acusações às herdeiras de Silvio Santos, motivado unicamente pela presença do presidente Lula e de outras figuras políticas no lançamento do SBT News. O crime? Divergência ideológica. Nada mais.
Zezé foi além. Pediu publicamente a suspensão do seu tradicional especial de fim de ano na emissora. Pedido aceito de imediato. No lugar do cantor, entrou Chaves — personagem fictício, é verdade, mas que há décadas ensina mais sobre convivência, humildade e bom senso do que muito adulto influente por aí.
Como manda o script das redes, após a avalanche de críticas veio o recuo. Na terça-feira, 16, o cantor apareceu com o figurino já conhecido do “fui mal interpretado”. Disse que suas palavras não foram bem compreendidas, que não era bem aquilo. A velha desculpa que tenta apagar um incêndio depois da casa já em cinzas. O problema é que vídeo não se desinterpreta. Ele fala por si.
As consequências não ficaram restritas ao campo simbólico. Em São José do Egito, no Sertão de Pernambuco, a prefeitura cancelou o show do artista, que custaria R$ 500 mil aos cofres públicos — recursos federais, diga-se. Meio milhão de reais para um espetáculo que, diante do contexto, se tornou politicamente e moralmente indigesto. Decisão acertada.
O balanço desse episódio revela algo mais profundo e preocupante: a indigestão causada pelo fanatismo. A cegueira ideológica que atinge desde anônimos de comentários raivosos até nomes famosos, que passam a agir como se estivessem acima do bom senso, da democracia e da própria história que construíram. Os chamados “bolsomínios” — termo que já virou quase diagnóstico — seguem confundindo opinião com ataque, discordância com inimigo, política com guerra permanente.
É preciso lembrar o óbvio, ainda que o óbvio hoje pareça revolucionário: política se decide no ano eleitoral, nas urnas. O processo acabou. O resultado foi proclamado. Gostem ou não. Vivemos em uma democracia, com pluralidade de ideias, presença de diferentes campos políticos e, sobretudo, com o direito de ir e vir — inclusive a eventos públicos e privados.
O episódio envolvendo Zezé di Camargo nesta semana não surpreende. Apenas reforça a trajetória descendente de alguém que parece confundir fama com autoridade moral, palco com palanque, opinião com verdade absoluta.
No fim das contas, quem mais perde é o próprio artista. Sua imagem, já longe do prestígio de outrora, sofre novo arranhão — talvez profundo. A indignação virou espetáculo. E o espetáculo, dessa vez, foi constrangedor. Em tempos tão difíceis, o país não precisa de mais histeria. Precisa de maturidade. Algo que, infelizmente, faltou — e muito — nesse triste capítulo protagonizado por quem já cantou o amor, mas hoje desafina quando o assunto é democracia.

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